Entrevista
José Eduardo Cardozo
O
ministro da Justiça recebeu da presidente Dilma Rousseff a incumbência
de acabar com a violência nas manifestações. E diz: "Temos de ser
rápidos e precisos"
Diego Escosteguy
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, é o bombeiro-geral da
República. À frente da Pasta há três anos, desde o começo do governo,
Cardozo é o homem convocado pela presidente Dilma Rousseff quando uma
encrenca aparece em Brasília. Da caça a fugitivos da Justiça, como o
petista Henrique Pizzolato, a investigações sobre cartel de trens.
Recentemente, Cardozo recebeu de Dilma o que talvez seja sua mais
difícil encrenca até agora: liderar Brasília e os governos estaduais num
esforço para pôr fim à violência que define os protestos em curso no
país – e com urgência. Nesta entrevista exclusiva a ÉPOCA, ele adianta
as medidas que são preparadas para os próximos dias.
ÉPOCA – Qual a reação do senhor ao saber da morte do cinegrafista Santiago Andrade?
José Eduardo Cardozo
– Fiquei bastante chocado, como acho que todos os brasileiros ficaram.
Conquistamos a democracia e a liberdade de expressão no Brasil a duras
penas. Muitas pessoas lutaram por isso. Foram presas, perderam suas
vidas. Esse é um valor muito caro para quem viveu o período da ditadura
militar. De repente, pessoas usam a liberdade de manifestação de maneira
injustificada, para depredar, atingir outras pessoas – e, para
completar, até para matar. É difícil não ficar revoltado. É por isso
que, nesta hora, devemos refletir com muito cuidado – e com muita
racionalidade – para que a emoção não nos leve a tomar medidas
indesejáveis, que não resolvam o problema, ou até que o piorem. Como
governante e ministro da Justiça, tenho de buscar a melhor alternativa,
seja do ponto de vista de ações políticas, legislativas ou
administrativas, para impedir que episódios assim se repitam. E que
protestos com episódios de violência, seja da polícia ou dos
manifestantes, continuem ocorrendo. Chega. É hora de dar um basta.
ÉPOCA – Como o governo contribuirá para esse basta? Com a proximidade da Copa, ele se torna ainda mais urgente e necessário.
Cardozo
– Quanto à Copa, os brasileiros e os estrangeiros que nos visitarão
podem ficar tranquilos. Nosso plano de segurança é muito bem feito.
Partiu de uma premissa usada em todos os países do mundo. Temos
integração com o Ministério da Defesa, com diretrizes claras e respeito à
hierarquia. Centros de inteligência concentrarão as decisões. As
equipes, civis ou militares, estão em sintonia e em estado máximo de
alerta. Isso me deixa seguro de que o plano de segurança é absolutamente
correto, avançado e tranquilizador. É absolutamente natural que haja
manifestações na Copa. Mas também é absolutamente natural que o Estado
esteja presente nelas, para garantir tanto o livre direito à
manifestação quanto a ordem pública. Não permitiremos atos de vandalismo
e violência.
ÉPOCA
– Como assegurar, na prática, que as manifestações ocorram sem
violência, por parte de black blocs ou abusos de força policial?
Cardozo
– Atuamos em várias frentes. Uma delas diz respeito à atuação policial.
Em discussões com os secretários de Segurança de São Paulo (Fernando
Grella) e do Rio (José Mariano Beltrame), definimos um protocolo, uma
espécie de regramento comum para a atuação das polícias nessas
situações. Não só para a Copa: vai valer agora. Um regramento que diga
quando se podem ou não usar certas armas. Que parta do princípio da
proporcionalidade. A ação policial tem de ser proporcional àquilo que é
exigido dela – não pode ir além nem ficar aquém. Não se pode usar um
meio mais rigoroso que o necessário para resolver o problema. Não há por
que atirar bombas de gás ou balas de borracha em situações que não
exigem isso. Só serão usadas em situações extremas – e para evitar o uso
de armas letais. Esse regramento dará parâmetro de atuação às tropas
policiais brasileiras, que ainda estão perdidas em como lidar com as
manifestações. Permitirá também que a sociedade saiba como a polícia
pode ou não agir em cada situação. E cobrar punição por eventuais abusos
ou falhas.
ÉPOCA – Quando esse protocolo entrará em vigor?
Cardozo
– O governo poderia fazer isso por portaria, mas estou discutindo com
todos os secretários de Segurança Pública do país, de modo que esse
protocolo receba todas as contribuições possíveis – e tenha a maior
legitimidade possível. Temos urgência nisso. Teremos isso pronto em dez
dias.
ÉPOCA – O que mais pode ser feito?
Cardozo
– Melhorar nossas leis. Nosso Código Penal é de 1940. Os problemas
atuais exigem uma atualização de nossa legislação. Há alguns anos, era
impensável que marginais se aproveitassem de manifestações legítimas
para praticar atos violentos. Seja com que finalidade fosse. O anonimato
numa manifestação também não era uma questão. Tornou-se agora. A
Constituição é muito clara. Permite a liberdade de expressão, mas veda o
anonimato. É preciso regulamentar isso. Não se pode recorrer ao
anonimato para cometer crimes. Vários países do mundo, como França e
Canadá, têm leis sobre isso. Estamos buscando elementos nas experiências
bem-sucedidas de outros países e nas sugestões dos secretários de
Segurança Pública.
ÉPOCA – Essas lacunas serão preenchidas por meio de um projeto de lei do Executivo?
Cardozo
– Sim, pretendemos mandar um projeto ao Congresso em pouquíssimos dias.
Ele poderá conter outras propostas. Avaliamos, por exemplo, fazer como
em outros países, em que a polícia tem a prerrogativa de deter um
manifestante que esteja portando armas brancas, como paus ou pedras, ao
menos até que o protesto se encerre. Haverá também uma parte que tratará
do agravamento de penas. Talvez seja correto aumentar a punição ao
indivíduo que, numa manifestação, deprede o patrimônio dos outros – e,
pior, fira ou mate pessoas. O que não podemos fazer neste momento,
porém, é cair no extremo oposto, no exagero.
ÉPOCA – Como trazer o terrorismo ao debate...
Cardozo
– Isso. Parece incorreto qualificar de terrorismo os crimes nas
manifestações. A Lei de Terrorismo é necessária e está em discussão, mas
não se aplica ao problema que enfrentamos. Não podemos reagir
passionalmente agora.
ÉPOCA – O senhor tem convicção de que terá o apoio do Congresso para aprovar essas medidas?
Cardozo
– Estamos buscando o diálogo para que isso aconteça. Temos de ser
rápidos e precisos. Com racionalidade na discussão, mas com pressa,
porque o Brasil tem pressa.
ÉPOCA
– Nas medidas em discussão para os próximos dias, haverá propostas para
garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho nessas
manifestações?
Cardozo
– Os números mostram que os jornalistas brasileiros trabalham sob um
clima de perigo físico inaceitável, jornalistas são assassinados no
Brasil apenas por fazer seu trabalho. Esse lamentável episódio com o
cinegrafista da TV Bandeirantes mostra a gravidade da situação. Todos
sabemos – ou deveríamos saber – que a liberdade de imprensa é
fundamental para nossa democracia. É inaceitável que um jornalista seja
tolhido ou ameaçado no exercício de sua função, como tem sido o caso nas
manifestações. O Estado tem de garantir ao jornalista condições para
que ele faça seu trabalho em segurança. Temos de ter uma política de
Estado para isso.
ÉPOCA
– Como o governo federal pode garantir a segurança dos jornalistas se,
ao mesmo tempo, patrocina blogs e sites que, a pretexto de reforçar a
pluralidade de opiniões, se dedicam a achincalhar jornalistas,
procuradores, ministros do Supremo, políticos da oposição? Não é
contraditório financiar esse discurso do ódio?
Cardozo
– Não entrarei em detalhes sobre esses patrocínios, mas posso registrar
que a cultura da intolerância é algo muito forte na sociedade
brasileira. Percebe-se que a circulação de informação na internet, ao
mesmo tempo que permite o acesso a um sem-número de fatos e opiniões,
permite também a propagação do que você chama de discurso do ódio, da
intolerância e do desprezo em relação ao outro. Como lidar com isso? A
questão-chave é a definição do limite. Num Estado constitucional, há
limites para o poder e para os direitos das pessoas. Como disse
Montesquieu, todo homem que tem poder tende a dele abusar. É muito
difícil, porém, precisar na internet o limite desse direito à livre
expressão. Dificilmente se consegue resolver isso por atos
governamentais.
ÉPOCA
– Proibir o anonimato de opiniões na internet, como nos protestos, não
seria uma opção em acordo com a Constituição? Afinal, os mascarados nas
ruas tiram suas ideias de algum lugar, e não parece ser da leitura dos
clássicos...
Cardozo
– O governo e a sociedade precisam enfrentar isso. Mas não podemos cair
no erro de reagir de modo intolerante à própria intolerância. Isso só
leva à polarização, à radicalização e à violência. Precisamente o que
muitos desses atores na internet desejam.
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