Fonte: Veja
Presos os acusados, é preciso investigar as denúncias de que partidos políticos aliciam e incitam a violência
Hudson Corrêa e Raphael Gomide
Depois de uma ação policial rápida e eficaz, os suspeitos do
assassinato do cinegrafista Santiago Andrade foram presos na semana
passada. Restou, no entanto, uma questão no ar, fundamental para
entender – e combater – os crimes em manifestações: Caio Silva de Souza e
Fábio Raposo Barbosa recebem dinheiro para promover violência em
protestos? Quem fez a denúncia, num primeiro momento, foi o próprio
advogado de defesa de ambos, Jonas Tadeu Nunes. Ele disse que, quando
participava de manifestações, Caio recebia R$ 150, lanche e passagem de
volta para casa. Jonas disse também que o aliciamento se dá em "sistema
de pirâmide". Um ativista ligado a partidos arregimenta um grupo de
pessoas, e cada uma delas recruta outros simpatizantes. Isso se repete, e
a rede de aliciamento cresce. Dessa maneira, o dinheiro circula entre
integrantes da célula, e fica difícil descobrir quem é o financiador na
ponta.
Em seu depoimento à polícia, Caio admitiu haver pessoas "que aliciam
jovens para participar de passeatas" e que "já foi convidado também para
participar de forma remunerada". Não revelou quem fazia esse tipo de
proposta. Mas deu detalhes. Disse que havia "encarregados de distribuir
pedras e apetrechos", além de explosivos, para os atos de vandalismo.
Caio afirmou também que acha que os partidos cujas bandeiras aparecem
nos protestos são os mesmos que pagam manifestantes. Ele citou o PSOL, o
PSTU e a Frente Independente Popular (FIP). Os dois partidos emitiram
nota negando esse tipo de financiamento. A FIP não se pronunciou.
Segundo o delegado Fernando Veloso, chefe da Polícia Civil, os serviços
de inteligência iniciaram há alguns meses investigações sobre o
aliciamento de jovens para promover quebra-quebras durante os protestos.
Ainda em janeiro, um policial disse a ÉPOCA que políticos recrutavam
até 300 manifestantes por protesto, com pagamento de R$ 200 para cada
um.
Numa outra frente de investigação, a polícia apura casos de vandalismo
cometidos por filiados a partidos políticos. ÉPOCA obteve documentos do
serviço de inteligência sobre um dos investigados, um militante do PSOL,
com histórico de fazer inveja a muito black bloc. Cantor e compositor,
Paulo Henrique Antonio Lima, de 25 anos, candidatou-se em 2012 a
vereador de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Não
se elegeu. PH Lima – nome que usa nas redes sociais – foi preso duas
vezes no intervalo de sete dias, em julho de 2013. Uma das detenções
ocorreu no Leblon, na Zona Sul, local do "Ocupa Cabral", movimento que
promoveu um acampamento perto da casa do governador Sérgio Cabral. Duas
mil pessoas participaram do protesto, que terminou em confronto com a
polícia quando um grupo tentou se aproximar do prédio onde mora o
governador. Os manifestantes recuaram e saíram pelas ruas quebrando
agências bancárias, ateando fogo a lixeiras e saqueando lojas. Naquela
noite, nove foram presos, acusados de formação de quadrilha – entre eles
PH Lima. Ele também responde a um processo por lesão corporal leve, ao
arremessar pedras. No começo do ano, PH Lima passou a se dedicar também
aos rolezinhos, até aqui sem ações violentas. "Fui preso por formação de
quadrilha apenas porque segurava uma faixa que dizia "Fora Cabral". Os
policiais foram truculentos e me prenderam sem justificativa", disse PH
Lima a ÉPOCA.
A principal liderança do PSOL no Rio é o deputado estadual Marcelo
Freixo, que presidiu a CPI contra as milícias. Ele ganhou fama nacional
por ter inspirado um dos principais personagens do filme Tropa de elite
2. Na semana passada, seu nome foi o primeiro a surgir nas aventadas
ligações entre partidos e manifestantes violentos. O advogado Jonas
disse na delegacia que Freixo era "ligado" ao rapaz que acendeu o rojão
que atingiu Santiago e ofereceu ajuda jurídica a Fábio Raposo Barbosa,
um dos acusados. Jonas atribuiu a afirmação à ativista Elisa Quadros,
apelidada de Sininho. Sininho e Freixo negaram. Freixo diz ser
"totalmente contra a violência, como método e como princípio". De
concreto, os dois admitem que, depois da prisão de Raposo, Sininho
procurou Freixo por telefone. Segundo ambos, ela pediu que Freixo – na
qualidade de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro – verificasse "se não aconteceria nada com
o Fábio na prisão".
O telefonema para Freixo fez com que Sininho roubasse a cena durante as
investigações. Ela apareceu ao longo da semana em vários momentos, em
atos de solidariedade aos presos, em vídeos em que atacava a imprensa – e
também quando foi divulgada uma lista de contribuições para uma festa
de Natal organizada por ela, para os moradores de rua da região da
Cinelândia, no Rio de Janeiro. Na lista de contribuintes estavam dois
vereadores do PSOL, Renato Cinco e Jefferson Moura, um juiz, João
Batista Damasceno, e até um policial, o delegado Orlando Zaccone –
durante o evento, ele deu uma palestra sobre o direito de protestar.
A relação de Freixo com manifestantes, até onde se sabe, se dá de forma
indireta e na área jurídica. Dois assessores de Freixo, os advogados
Thiago Melo e Tomás Ramos atuam no Instituto dos Defensores dos Direitos
Humanos (DDH), uma ONG que oferece defesa jurídica a manifestantes
detidos. Thiago é funcionário do gabinete de Freixo e Tomás dá
expediente na Comissão de Direitos Humanos. Cada um dos advogados recebe
salário de R$ 5.264,44. "O DDH garante que os detidos não sejam
acusados por motivos absurdos. Essas pessoas não estão condenadas, e não
me cabe julgá-las, mas garantir sua defesa", diz Thiago. Freixo
considera legítima a atuação dos assessores.
Outro partido que sai em socorro de manifestantes presos é o PR,
comandado no Rio de Janeiro pelo deputado federal Anthony Garotinho. No
dia 16 de dezembro, 25 ativistas foram detidos depois de invadir o
prédio do antigo Museu do Índio, conhecido como Aldeia Maracanã, por
ficar ao lado do estádio. Logo em seguida, chegou à delegacia um dos
principais funcionários do gabinete do deputado estadual Geraldo Pudim
(PR). O publicitário Sebastião Rodrigues Machado Junior, conhecido como
Nayt, se apresentou como assessor especial para direitos humanos de
Pudim. Ele prestou declaração como testemunha e reclamou que não tomara
conhecimento de ordem judicial para a desocupação. Nayt faz parte da
direção do PR e recebe um salário de R$ 8 mil mensais no gabinete de
Pudim.
Em novembro, uma reportagem do jornal O Globo apontou Nayt como
suspeito de recrutar e pagar ativistas para manifestações de rua. Após a
publicação da reportagem, uma das delegacias que investigam atos de
vandalismo intimou-o a prestar depoimento. Nayt recorreu à Justiça, que
considerou a intimação ilegal, pois não especificava a acusação ou caso
investigado. Procurado por ÉPOCA, Nayt preferiu não dar entrevista. A
assessoria de Pudim disse que Nayt não recruta manifestantes e que, no
caso da Aldeia Maracanã, passava de carro pelo local quando viu as
prisões e decidiu ir à delegacia.
Caio e Raposo, os suspeitos do assassinato de Santiago, são assíduos em
manifestações – independentemente de a polícia comprovar se recebem
dinheiro. Caio tem 22 anos e mora no município de Nilópolis, na região
metropolitana do Rio de Janeiro. Ele tem apenas o ensino fundamental,
que cursou em escolas públicas, e trabalha como porteiro num hospital em
Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio. Vai ao trabalho de trem.
Mora com o pai, o enfermeiro Antonio Carlos, cuja casa fica mais perto
da estação. A mãe vive no mesmo bairro, com o avô materno de Caio. Mãe e
avô tomam remédios controlados contra esquizofrenia.
Raposo também tem 22 anos e mora sozinho num apartamento no Méier,
bairro de classe média na Zona Norte do Rio. Antes de se tornar Fox,
nome que usa nas manifestações, Raposo era apenas Fabinho, filho mais
velho de uma professora da rede pública. Ele cresceu no Méier. Há poucos
anos, os pais se divorciaram. A mãe se mudou com a irmã e o segundo
marido para o Recreio dos Bandeirantes, bairro da Zona Oeste do Rio.
Raposo ficou com o pai, mas desde o ano passado mora sozinho. É o tipo
de jovem que ajuda vizinhos idosos com sacolas de compras e chama a
síndica de "tia". Quem o conhece desde pequeno lembra o menino que
gostava de soltar pipa, andar de bicicleta e skate. Para pagar as
contas, Raposo fazia bicos como DJ. Depois, comprou equipamentos para
tatuar e resolveu mudar de profissão. Treina tatuagens nos amigos. A mãe
visita o filho com frequência e, não raro, se encarrega de fazer as
compras de supermercado para ele.
Caio e Raposo aguardam o julgamento em penitenciárias diferentes no
Complexo de Gericinó, em Bangu. A polícia ainda investiga até que ponto
eles são parte de um fenômeno maior – o aliciamento de militantes pagos
para promover atos violentos em manifestações.
Com Isabel Clemente, Ana Luiza Cardoso e Flávia Tavares
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