Os black blocs têm agora uma morte sobre os ombros
Fonte: Veja
Reportagem de VEJA desta
semana mostra que a máscara “libertária” do grupo caiu e revela o rosto
soturno de um bando que, ao aliar inconsequência à violência e o uso de
armas letais, equipara-se a terroristas
Eles não vieram com flores nas mãos. Os primeiros black blocs a surgir
nas ruas brasileiras já chegaram de máscara e marreta em punho.
Quebraram lojas, incendiaram ônibus e invadiram prédios públicos em
badernas no Rio, em São Paulo e em outras 22 capitais. Mesmo assim,
receberam olhares benevolentes de políticos (“Vários movimentos têm
vários métodos distintos. Eu não sou juiz para ficar avaliando os
métodos em si”, disse o deputado Marcelo Freixo, do PSOL) e francamente
deslumbrados de alguns artistas (“Emma é linda. O anarquismo é lindo”,
escreveu Caetano Veloso a propósito de uma black bloc, pouco antes de
posar fantasiado de mascarado). Um professor da Fundação Getulio Vargas,
de São Paulo, chegou a escrever que os black blocs “usavam a estratégia
da violência” porque eram “vítimas da violência cotidiana praticada
pelo Estado”. A polícia e as leis brasileiras fizeram a sua parte para
piorar a situação. Nove meses após o início da baderna e dezenas de
arruaças depois, há apenas um black bloc preso no Rio. Em São Paulo,
nenhum. Na semana passada, a leniência e a impunidade cobraram seu
preço: o cinegrafista Santiago Andrade, de 49 anos, morreu em
consequência de um rojão que, disparado por um mascarado, o atingiu em
cheio quando trabalhava. Com a tragédia, a máscara “libertária” dos
black blocs caiu para revelar o rosto soturno de um grupo que, ao aliar
inconsequência a violência e uso de armas letais, se equipara a
terroristas.
Três personagens foram fundamentais para revelar a face mais sinistra
dos black blocs: Fábio Raposo, o Fox, que carregou o rojão que atingiu o
cinegrafista; Caio Silva de Souza, o Dik, que levou o artefato até
perto da vítima; e Elisa Quadros, a Sininho, “militante ativista” (a
definição é dela) que surgiu do nada para oferecer “assessoria jurídica”
aos dois acusados e não parou mais de aparecer. Raposo e Souza, que se
entregaram e estão presos, são peões do movimento, integrantes da tropa
de choque do quebra-quebra. Já Sininho, 28 anos, estudante de cinema
(já há seis anos) e atualmente desempregada, é da elite que decide e dá
ordens. Sininho faz a ponte entre os black blocs e a parcela da classe
política que nutre simpatia pelo grupo. Dela, constam, por exemplo, os
vereadores Renato Cinco e Jefferson Moura, ambos do PSOL. Eles aparecem
numa planilha que circulou em grupos fechados na internet, revelada pelo
site de VEJA, com os nomes de pessoas que, a pedido de Sininho,
patrocinaram um “evento cultural” que ela ajudou a organizar em dezembro
passado. “Eles deram dinheiro, sim, e não foi nenhum segredo. Doaram
como civis, e não políticos”, postou ela em janeiro, reagindo às
críticas de integrantes do grupo cuja alegada inspiração anarquista não
permite engajamentos partidários.
Sininho diz que não gosta de políticos e políticos dizem que não apoiam a
violência dos black blocs, mas as duas partes parecem se dar muito bem.
A Câmara de Vereadores é um ambiente familiar para Sininho. Quando
começou a minguar o movimento Ocupa Cabral, em que manifestantes
permaneceram dois meses acampados diante da casa do governador do Rio,
ela sugeriu a ocupação das escadarias da Câmara. Ficou lá por 52 dias.
Gaúcha, filha de petistas com quem não se dá (“Continuam no PT, pois
devem acreditar que tem esperança, mas eu não tenho nada a ver com a
decisão deles”), até o meio do ano passado fazia trabalhos esporádicos
em uma produtora de vídeos. Vivia com quatro colegas em um apartamento
com poucos móveis e paredes cobertas de discos de vinil, recebia amigos
para festinhas (animadas a MPB, cerveja e baseados) e passeava na cidade
com uma bicicleta modelo retrô. Em junho, depois da primeira passeata,
não saiu mais da rua e foi subindo na hierarquia dos “militantes
ativistas”. Com tempo de sobra, esteve na linha de frente de quase todos
os protestos. Ficou famosa — e mais ainda depois de ter sido detida por
três dias (na investigação que se seguiu, livrou-se do grampo certo
com um expediente simples: deu à polícia um número falso de telefone).
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