Por Nivalde de Castro e Roberto Brandão
O ano de 2014 promete repetir 2013 no uso intenso das usinas
termelétricas. O calor elevado, o aumento de consumo de energia elétrica
e principalmente a forte estiagem devem afetar os reservatórios das
hidrelétricas. O cenário mais provável no momento não é racionamento,
mas o despacho contínuo das térmicas até fins de 2014, quando inicia a
estação das chuvas. A maior diferença entre o cenário de 2014 e o de
2013 será o preço da energia, que deve ficar mais elevado, podendo
determinar sérios problemas financeiros aos agentes econômicos. E isso
apesar do custo da energia não apresentar grandes variações.
O
custo dos combustíveis das térmicas não deve apresentar diferenças
marcantes entre 2013 e 2014. O que será maior em 2014 será o preço da
energia no mercado de curto prazo (determinado pelo PLD, Preço de
Liquidação das Diferenças), que afeta os agentes com déficits ou
superávits em seus contratos de compra-venda de energia e determina
indiretamente um aumento dos preços do mercado livre, onde grandes
consumidores compram energia.
O PLD do Sudeste, que em 2013 teve
valor médio de R$ 294/Mwh, hoje está no teto de R$ 823/Mwh. Este valor é
muito superior ao custo médio de R$ 400/Mwh das usinas térmicas (sem as
nucleares) despachadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).
A produção de energia elétrica no Brasil não se dá em um mercado competitivo, ou sequer em um mercado
O PLD alto impõe pesados impactos financeiros às distribuidoras que,
além de serem as contratantes de grande parte da geração termelétrica,
apresentam neste momento insuficiência de contratos, precisando comprar
energia no mercado de curto prazo. Alguns geradores, consumidores livres
e comercializadoras que estejam descontratados também serão seriamente
afetados. Dada a dimensão e a gravidade do problema, o Tesouro Nacional,
que já em 2013 cobriu parte dos gastos com as termelétricas, deverá
financiar grande parte da conta em 2014, uma vez que a alternativa seria
um indesejável "tarifaço" com impactos diretos e nocivos sobre a
inflação.
O que explica este cenário de preços altos da energia
(PLD) em 2014 se seus custos não sofreram alterações substanciais? Para
entender o problema é necessário entender como o PLD é definido. Ele é
calculado por modelos computacionais usados no planejamento da operação
do sistema elétrico pelo ONS, sendo o Newave o mais conhecido. Em 2013 o
modelo indicava uma necessidade de uso moderado das térmicas,
resultando um PLD em níveis não muito elevados. Mas o ONS, com base em
metodologia própria aprovada pelo Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico (CMSE), usou durante a maior parte do ano todas as
termelétricas disponíveis e não apenas aquelas que o Newave recomendava
por medida de segurança. Assim, o custo marginal real (custo de geração
da termelétrica mais cara efetivamente despachada) era, até agosto de
2013, bem maior do que o calculado pelo Newave e que servia de base para
o PLD.
A partir de setembro de 2013, o Newave foi alterado para
refletir melhor a operação do sistema. Com esta mudança o PLD está mais
aderente ao custo marginal real do sistema, ao contrário do que havia
acontecido antes. Mas será mais eficiente ter um preço de energia igual
ao custo marginal de geração quando isto implica em PLD tão elevado e
tão distante do custo médio da energia?
Nossa avaliação é que
não. O fato do PLD não refletir em 2013 o custo marginal real do sistema
permitiu uma economia de cerca de R$ 9 bilhões entre janeiro e agosto,
segundo estimativas do Gesel-UFRJ, computando apenas em transações no
Mercado de Curto Prazo e encargos, sem levar em conta o impacto que um
PLD igual ao custo marginal real teria no mercado livre.
Em
ocasiões de estresse hidrológico, quando é necessário despachar
intensamente térmicas caras, não há justificativa econômica para se
fixar um preço de curto prazo para a energia muito superior ao custo
médio de geração térmica, como está ocorrendo desde setembro de 2013.
Pode-se argumentar que a teoria econômica elementar prega que em
mercados competitivos o preço deve ser sempre igual ao custo marginal.
Seguindo por essa linha de raciocínio, em 2014 estaríamos melhores do
que em 2013, já que o preço corresponde agora ao custo marginal real do
sistema e não mais ao cálculo de um modelo descolado da realidade. Mas
será que o preço tem mesmo que ser igual ao custo marginal em um sistema
hídrico como o brasileiro? A resposta é não, e por duas razões.
Primeira, porque a produção de energia elétrica no Brasil não se dá em
um mercado competitivo. Em realidade, não se trata sequer de um mercado,
pois o despacho das usinas é regido, como em inúmeros países, por um
modelo computacional de otimização do funcionamento das usinas hidro e
termelétricas.
Segunda, porque o custo marginal de operação (com
base no qual é calculado o PLD) não dá sinalização para a ampliação da
oferta e construção de novas usinas, como ocorre em mercados
competitivos. No Brasil, o PLD indica principalmente a condição
hidrológica de curto prazo. Por exemplo, o custo marginal e o PLD podem
estar baixos devido a fortes chuvas e o sistema pode estar precisando
urgente de expansão para garantir o abastecimento em anos de hidrologia
normal ou desfavorável. A necessidade de contratação de novos projetos
não é e não pode ser decorrência dos preços de curto prazo em um sistema
predominantemente hídrico como no Brasil. Devido a esta característica é
que são realizados os leilões públicos de energia nova, estes sim
competitivos, onde a disputa é por contratos de longo prazo, que
refletem o custo real de longo prazo das novas usinas.
A
formação do PLD merece ser revisada de forma a ficar mais aderente ao
custo de operação do sistema, evitando que ocorram situações como a
atual. O PLD deveria ser desatrelado do custo marginal, ao menos em anos
de hidrologia adversa. Esse aperfeiçoamento teria o poder de tornar a
energia mais barata (ou menos cara) em momentos de escassez. Não faz
nenhum sentido econômico ter fábricas interrompendo a produção para
vender a energia previamente contratada por um preço maior.
A
revisão do cálculo do PLD, preço de curto prazo da energia, deve ser
feita com serenidade, pois diversos agentes firmaram contratos baseados
na regra atual de fixação de preços e podem ser afetados por súbitas
mudanças nas regras. E é preciso agilidade porque o impacto financeiro
deste descolamento entre preços e custos em 2014 é potencialmente muito
elevado, exigindo a atuação do Tesouro Nacional.
Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Gesel - Grupo de Estudos do Setor Elétrico
Roberto Brandão é pesquisador senior do Gesel-UFRJ
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