quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Preço x custo da energia no setor elétrico brasileiro

Fonte: Valor Econômico

Por Nivalde de Castro e Roberto Brandão

 
O ano de 2014 promete repetir 2013 no uso intenso das usinas termelétricas. O calor elevado, o aumento de consumo de energia elétrica e principalmente a forte estiagem devem afetar os reservatórios das hidrelétricas. O cenário mais provável no momento não é racionamento, mas o despacho contínuo das térmicas até fins de 2014, quando inicia a estação das chuvas. A maior diferença entre o cenário de 2014 e o de 2013 será o preço da energia, que deve ficar mais elevado, podendo determinar sérios problemas financeiros aos agentes econômicos. E isso apesar do custo da energia não apresentar grandes variações.

O custo dos combustíveis das térmicas não deve apresentar diferenças marcantes entre 2013 e 2014. O que será maior em 2014 será o preço da energia no mercado de curto prazo (determinado pelo PLD, Preço de Liquidação das Diferenças), que afeta os agentes com déficits ou superávits em seus contratos de compra-venda de energia e determina indiretamente um aumento dos preços do mercado livre, onde grandes consumidores compram energia.
O PLD do Sudeste, que em 2013 teve valor médio de R$ 294/Mwh, hoje está no teto de R$ 823/Mwh. Este valor é muito superior ao custo médio de R$ 400/Mwh das usinas térmicas (sem as nucleares) despachadas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).
A produção de energia elétrica no Brasil não se dá em um mercado competitivo, ou sequer em um mercado
O PLD alto impõe pesados impactos financeiros às distribuidoras que, além de serem as contratantes de grande parte da geração termelétrica, apresentam neste momento insuficiência de contratos, precisando comprar energia no mercado de curto prazo. Alguns geradores, consumidores livres e comercializadoras que estejam descontratados também serão seriamente afetados. Dada a dimensão e a gravidade do problema, o Tesouro Nacional, que já em 2013 cobriu parte dos gastos com as termelétricas, deverá financiar grande parte da conta em 2014, uma vez que a alternativa seria um indesejável "tarifaço" com impactos diretos e nocivos sobre a inflação.
O que explica este cenário de preços altos da energia (PLD) em 2014 se seus custos não sofreram alterações substanciais? Para entender o problema é necessário entender como o PLD é definido. Ele é calculado por modelos computacionais usados no planejamento da operação do sistema elétrico pelo ONS, sendo o Newave o mais conhecido. Em 2013 o modelo indicava uma necessidade de uso moderado das térmicas, resultando um PLD em níveis não muito elevados. Mas o ONS, com base em metodologia própria aprovada pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), usou durante a maior parte do ano todas as termelétricas disponíveis e não apenas aquelas que o Newave recomendava por medida de segurança. Assim, o custo marginal real (custo de geração da termelétrica mais cara efetivamente despachada) era, até agosto de 2013, bem maior do que o calculado pelo Newave e que servia de base para o PLD.
A partir de setembro de 2013, o Newave foi alterado para refletir melhor a operação do sistema. Com esta mudança o PLD está mais aderente ao custo marginal real do sistema, ao contrário do que havia acontecido antes. Mas será mais eficiente ter um preço de energia igual ao custo marginal de geração quando isto implica em PLD tão elevado e tão distante do custo médio da energia?
Nossa avaliação é que não. O fato do PLD não refletir em 2013 o custo marginal real do sistema permitiu uma economia de cerca de R$ 9 bilhões entre janeiro e agosto, segundo estimativas do Gesel-UFRJ, computando apenas em transações no Mercado de Curto Prazo e encargos, sem levar em conta o impacto que um PLD igual ao custo marginal real teria no mercado livre.
Em ocasiões de estresse hidrológico, quando é necessário despachar intensamente térmicas caras, não há justificativa econômica para se fixar um preço de curto prazo para a energia muito superior ao custo médio de geração térmica, como está ocorrendo desde setembro de 2013. Pode-se argumentar que a teoria econômica elementar prega que em mercados competitivos o preço deve ser sempre igual ao custo marginal. Seguindo por essa linha de raciocínio, em 2014 estaríamos melhores do que em 2013, já que o preço corresponde agora ao custo marginal real do sistema e não mais ao cálculo de um modelo descolado da realidade. Mas será que o preço tem mesmo que ser igual ao custo marginal em um sistema hídrico como o brasileiro? A resposta é não, e por duas razões.
Primeira, porque a produção de energia elétrica no Brasil não se dá em um mercado competitivo. Em realidade, não se trata sequer de um mercado, pois o despacho das usinas é regido, como em inúmeros países, por um modelo computacional de otimização do funcionamento das usinas hidro e termelétricas.
Segunda, porque o custo marginal de operação (com base no qual é calculado o PLD) não dá sinalização para a ampliação da oferta e construção de novas usinas, como ocorre em mercados competitivos. No Brasil, o PLD indica principalmente a condição hidrológica de curto prazo. Por exemplo, o custo marginal e o PLD podem estar baixos devido a fortes chuvas e o sistema pode estar precisando urgente de expansão para garantir o abastecimento em anos de hidrologia normal ou desfavorável. A necessidade de contratação de novos projetos não é e não pode ser decorrência dos preços de curto prazo em um sistema predominantemente hídrico como no Brasil. Devido a esta característica é que são realizados os leilões públicos de energia nova, estes sim competitivos, onde a disputa é por contratos de longo prazo, que refletem o custo real de longo prazo das novas usinas.
A formação do PLD merece ser revisada de forma a ficar mais aderente ao custo de operação do sistema, evitando que ocorram situações como a atual. O PLD deveria ser desatrelado do custo marginal, ao menos em anos de hidrologia adversa. Esse aperfeiçoamento teria o poder de tornar a energia mais barata (ou menos cara) em momentos de escassez. Não faz nenhum sentido econômico ter fábricas interrompendo a produção para vender a energia previamente contratada por um preço maior.
A revisão do cálculo do PLD, preço de curto prazo da energia, deve ser feita com serenidade, pois diversos agentes firmaram contratos baseados na regra atual de fixação de preços e podem ser afetados por súbitas mudanças nas regras. E é preciso agilidade porque o impacto financeiro deste descolamento entre preços e custos em 2014 é potencialmente muito elevado, exigindo a atuação do Tesouro Nacional.
Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Gesel - Grupo de Estudos do Setor Elétrico

Roberto Brandão é pesquisador senior do Gesel-UFRJ

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